Decorreu no fim de semana do 25 de Abril o famoso MIUT - Madeira Island Ultra Trail. A distância dos duros, são 115 km que percorrem a ilha de uma ponta à outra, com um desnível positivo acumulado de 7,100 m. Não participei neste prova. Ainda ;) Mas partilho consigo que este percurso contou com 16% de desistências. Num total de 970 atletas inscritos.
E porque escolho este exemplo para falar do tema de hoje?
Porque quero honrar os atletas que desta vez não alcançaram o objetivo. Estas 155 pessoas, representam-nos a todos:
Quando nos propomos fazer um trabalho e não conseguimos concluir. Quando não somos selecionados para o emprego que levou tanto da nossa dedicação durante o processo de entrevista. Quando somos despedidos sem ter conseguido mostrar o nosso valor. Quando ao fim de largos anos, desistimos da casa dos nossos sonhos. Quando nos sentimos forçados a terminar uma relação. Quando desistimos do curso já na faculdade. Quando somos obrigados a mudar de planos porque a doença nos apanha de surpresa. Quando desistimos do filho ou filha que tanto investimos para ter.
Desistir de algo que se quer muito ou para o qual se trabalhou arduamente às vezes durante anos a fio, não é fácil. Dói. Mesmo que as razões fujam do nosso controlo ou capacidade de resposta.
Quando nos comprometemos com algo, maior do que nós próprios, quando sabemos que queremos dar um salto maior do que as pernas, o risco é gigante. De correr bem. Ou mal. E sempre que mergulhamos para profundidades desconhecidas, vamos descobrir dimensões nossas que seria impossível encontrar de outra forma. Há reações do nosso organismo só possíveis quando corremos riscos. Ou quando pisamos uma linha desconhecida. Por maior que seja a preparação, há sempre uma dimensão de nós próprios que só se aprende com a experiência.
Nos meus treinos de apneia, ganhei o medo de suster a respiração durante demasiado tempo debaixo de água. Porque aprendi o que acontece com o nosso organismo quando o ar escasseia durante muito tempo. Desmaiamos. E este é na realidade um mecanismo de defesa extraordinário para manter o oxigénio nos órgãos vitais - cérebro, coração e pulmões. É por esta razão que é possível reanimar alguém resgatado da água que tenha perdido os sentidos há poucos minutos, sem que existam danos significativos.
O nosso organismo está preparado para nos obrigar a parar, quando o grau de exigência a que o submetemos é superior à nossa capacidade de resposta no momento. Desmaiar, adormecer, paralisar, ter um ataque de pânico. São alguns exemplos.
Quando esticamos a corda, obrigamos o nosso organismo a decidir por nós, quando todos os sinais enviados, não foram o suficiente para pararmos o que estamos a fazer. Porque se continuarmos, há o risco de ruptura. Até mesmo de vida. E não é preciso corrermos no MIUT para termos estas experiências.
O resultado? Desistir. Tantas vezes a melhor opção, se o caminho que estamos a trilhar está a pôr-nos em risco de vida.
Muitos dos atletas que desistiram nos 115km do MIUT, fizeram-no pelo frio extremo que sentiram. Imagine 7 horas a penar pela noite dentro, numa prova que iniciou à meia noite e que encontrou o momento mais cruel antes do nascer do dia. O cansaço extremo, fruto não só da dureza da prova, mas das horas sem dormir, transforma o frio no principal inimigo. Quando toda a nossa energia está a ser gasta para manter o corpo quente, há um severo risco de esta faltar nos órgãos vitais. Então qual é o mecanismo de defesa do nosso corpo neste caso? Adormecer. E só assim, o organismo consegue cumprir a sua função. Assegurar que os órgãos essenciais continuam a receber o oxigénio que necessitam.
Quem desistiu estava preparado para correr 115km. Em nada teve a ver com a distância. Estes atletas que adormeceram logo a seguir a deitar a toalha ao chão, conheceram uma nova dimensão de si próprios. Aquela que só é possível quando arriscamos. E pisamos alguns limites.
Ainda assim dói. Se não compreendemos a parte biológica da coisa, é fácil alimentarmos um sentimento de culpa - já descansados e quentes - de que deveríamos ter feito de outra forma ou ter continuado. Arrependimento. E se?....
Este luto deve ser feito. Há um momento depois dos objetivos não alcançados que é fundamental agoniarmos, sentirmos pena de nós próprios e chorar o que se perdeu. Essa perda, refere-se não ao momento da decisão, mas de todo um caminho de meses ou anos para se chegar ali.
E depois então, racionalizar. Compreender o que aconteceu. Atribuir-lhe um significado construtivo, que nos ajude a crescer e seguir caminho. Os sentimentos de tristeza, desilusão, perda, mágoa ou até zanga, poderão demorar um pouco a deixar-nos. Quanto melhor for a nossa capacidade de atribuir um significado positivo à experiência, maior a probabilidade de desenvolvermos a resiliência e o grit (coragem e determinação apesar da dificuldade).
Quando olhamos para os atletas de topo nos Ultra Trails, são poucos os que não contam com pelo menos uma desistência em provas importantes. O verdadeiro desafio não é vencer sempre. Mas sim saber quando desistir, aprender com o processo e regressar mais forte.
Esta é a verdadeira lição que só aprende quem transforma um hábito dar saltos maiores do que as pernas.
Dedico este post à minha grande amiga Cristina, que encontrou uma forma extraordinária na sua vida de trabalhar o grit e de inspirar todos os que a rodeiam a acreditar que tudo é possivel ;)
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Parabéns pelo blog 👍
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
EliminarMuito obrigada!
Eliminaré isto mesmo... é duro, mas temos de nos ir preparando cada vez melhor. E ajuda profissional é sempre um boost de energia nova!
ResponderEliminarSem dúvida ;) Obrigada pelo comentário.
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