"Minha querida Maria, quantas vezes tenho que te explicar que não é assim que se fazem as coisas? Já tivemos esta conversa milhares de vezes..."
Ouves esta frase. Mais vezes do que gostarias. E no hábito que se transformou numa rotina, continuas a achar que há algo que não bate certo. O que é que existe de profundamente dissonante nesta mensagem?
A frase começa com minha querida - palavras de amor, apreço, colo - e o que vem a seguir, é como uma palmada no rabo. À moda antiga. Uma tareia de incompetência e incompreensão, regada de sentimentos de irritação, frustração e impaciência. Que o teu interlocutor te oferece como se de um abraço se tratasse. E tu voltas a ter 5 anos. Sentas-te no lugar da criança inexperiente e ignorante que já fez mais uma asneira.
Juntar estes dois significados na mesma frase, não só confunde a mensagem como é uma das formas mais frequentes de agressividade passiva. E provavelmente das mais impactantes negativamente não pela gravidade, mas pela frequência e efeito de contágio.
Quando o emissor é um chefe ou uma figura de referência, está a mostrar o caminho para aqueles que invariavelmente ou inconscientemente o irão seguir. Está a dizer que é OK dizermos uma coisa quando queremos transmitir outra. Que esses abraços são na realidade uma chicotada. Este emissor, está a transformar as relações interpessoais num pântano de areias movediças com pontos de atracagem constantemente em movimento. E as pessoas que lidam com este exemplo, irão passar o tempo a alimentar o pântano e a procurar incessantemente esses pontos de atracagem, afogando-se cada vez mais.
A médio e longo prazo, minha querida pode funcionar como um gatilho para quem navega neste pântano. Porque se perde a noção da intenção e a desconfiança assume o papel principal. Quando ouvimos o início da mensagem, não sabemos se vamos receber um elogio ou uma repreensão. Estas palavras aparentemente inofensivas, irão ativar os nossos mecanismos de defesa. Ficamos prontos para mais uma investida e queremos proteger-nos do que vem a seguir. Neste diálogo, o emissor distancia-se cada vez mais do receptor aumentando o vácuo hierárquico.
As expressões e palavras que escolhemos usar, comunicam a nossa intenção. E quando essa intenção é dissonante da mensagem, irá funcionar como um gatilho para o receptor. Da próxima vez que o emissor usar minha querida, desta vez com a intenção de elogiar ou agradecer, poderemos não estar receptivos à mensagem. "O que será que ela/ele quer dizer com isto? Será que está mesmo a agradecer? Há de certeza uma mensagem escondida!"
E se és tu o emissor? Que inadvertidamente usa estas mensagens dissonantes?
A boa notícia é que podes aprender a fazer melhor. Se tens por hábito usar esta forma de comunicação passivo agressiva, aconselho-te a pensar na tua intenção antes de escolheres como queres comunicar. Quais são as tuas intenções - boas ou más? Qual o impacto que queres ter na outra pessoa? Escolhe as palavras que se alinham com a mensagem que queres verdadeiramente passar, e acima de tudo com os valores que defendes.
Neste processo tens ainda a vantagem de trabalhar a integridade e o respeito. Este caminho, torna-te mais digno de confiança, abrindo espaço para a conexão e empatia.
Por ísso, da próxima vez que a tua intenção for repreender, por favor não comeces a frase com minha querida ou meu querido. Escolhe palavras de respeito, claras e concisas. Mesmo que estejas a falar com crianças. Quando não tiveres dúvidas de que a tua mensagem é de amor, aí sim usa minha querida ou meu querido com toda a força que estas palavras contêm em si próprias. E os teus receptores vão finalmente encontrar o ponto de atracagem sólido e seguro.
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lovely <3
ResponderEliminarThank you ;)!
EliminarPlenamente de acordo!!!
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