Um dia de fim de Verão. A praia cheia de pessoas e conversas a queimar os últimos cartuchos.
"Eu?! Não tenho um único arrependimento! Até te digo mais; tudo o que faço, sai logo bem à primeira tás a ver?"
Não. Não estou a ver. Pensei. Como é que uma adolescente com pouco mais de uma década de idade afirma uma coisa destas? É verdade que o seu tempo de vida não lhe deu experiência suficiente para saber do que fala. Mas a convicção com que o faz, é assustadora!
Que trilhos percorremos, ou que mensagens ouvimos para acreditar que devemos viver uma vida sem arrependimentos? Que círculos frequentamos e quem nos influencia, para acreditarmos neste tipo de "mantras"?!
Pesquisei no google - No regrets. Desafio-o a fazer o mesmo.
Fiquei chocada com a quantidade de imagens supostamente encorajadoras, a reforçar esta ideia. E claro, completadas com outras mensagens como Não há arrependimentos na vida. Só lições aprendidas.
Corrige-me por favor e apresenta argumentos para me provar do contrário. Mas uma vida sem arrependimentos, é um dos maiores disparates que vejo ser pregado há décadas!
É verdade que o que acabamos de fazer ou dizer, já é passado. Não temos felizmente o poder de alterar o que está para trás. Mas isso não significa que o que foi feito está bem feito.
Eu tenho muitos arrependimentos. De coisas que fiz, de coisas que não fiz. Mas principalmente de coisas que disse. Se pudesse voltar atrás, com certeza diria e faria de forma diferente. Porque me arrependi.
Daniel Pink no seu livro The Power of Regret, refere que a ciência do arrependimento nos mostra que olhar para trás pode ajudar-nos a andar para a frente. Acrescenta que as únicas pessoas sem arrependimentos, têm lesões cerebrais, são sociopatas ou têm doenças neurodegenerativas. Todos os outros têm arrependimentos. E quando somos capazes de nos reconciliar adequadamente com os mesmos, eles têm o poder de nos apontar o caminho a seguir.
O que é afinal o arrependimento? É uma emoção com muita cognição por detrás. São as voltas que sentes no estômago quando te apercebes que as decisões que tomaste, as escolhas que fizeste, o caminho que decidiste seguir tiveram um resultado abaixo do esperado.
Arrependimento pode ser facilmente confundido com desapontamento. São emoções distintas que cumprem funções diferentes. Importa clarificar que o desapontamento não envolve ação. É esta a grande diferença. Com o arrependimento, há lugar a ação.
Por exemplo, imagina que combino com a minha filha de 12 anos ir buscá-la à escola às 16h para irmos juntas às compras. É um programa de mãe e filha que adoramos. Entretanto são 16h15 e estou atrasada. Chego às 16h30 porque priorizei uma reunião de trabalho. Peço desculpa e informo a minha filha que já não vai dar. Tem que ficar para outro dia. A minha filha, vai sentir desapontamento. Eu vou sentir arrependimento por não ter priorizado o que combinámos.
Refletir sobre este arrependimento, ajuda-me a agir de forma diferente da próxima vez. Ser mais realista em relação à hora combinada e/ou organizar-me por forma a não falhar.
Correndo o risco de ser spoiler no caso de pretender ler o livro de Daniel Pink, a sua investigação demonstrou que as pessoas tendem a arrepender-se mais do que não fazem do que das suas ações, especialmente a longo prazo. As razões é que as ações a maior parte das vezes podem ser desfeitas. Não é bem uma tecla delete que pressionamos, mas a maior parte das vezes temos opções.
No caso do exemplo que dei em cima, poderia ter decidido na mesma manter o programa com a minha filha, assumindo o atraso. Poderia escolher comprometer a atividade seguinte, avaliando os prós e os contras. Ou poderia ter encontrado uma alternativa para este ou outro programa, nesse dia ou nos seguintes.
A inação é mais difícil de reparar ou fazer. Por exemplo se me arrependo de não ter aprendido outra língua estrangeira ou de ter ido viver para o estrangeiro, não é algo que possa resolver de hoje para amanhã. E o fator tempo, pode dificultar fazer algo que escolhi não fazer no passado.
Se devemos deixar de lado a crença de que é ok não termos arrependimentos, é bom alimentarmos a ideia de que mais vale arrependermo-nos do que fazemos do que o que não fazemos. Agir dá-nos sempre a possibilidade de aprender. E agir diferente no futuro.
Há caminhos que nunca percorreríamos se não tivéssemos praticado algum tipo de acção no passado, mesmo que implique arrependimento!
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Sabes que tenho uma Newsletter semanal chamada Conversas com o Medo ? Convido-te a Subscrever se achares que (re)aprender a relação com o medo é algo do teu interesse. Obrigada e até já!
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