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13. OBJETIVOS PERCEPCIONADOS COMO IMPOSSÍVEIS E A EXPERIÊNCIA DO ULTRA TRAIL DA FREITA.

 


Alguma vez definiste uma meta percepcionada como inalcançável? Impossível de atingir à luz das tuas experiências, referências ou ambições? Seja qual for a dimensão da tua vida, pensa em conquistas - grandes, pequenas, simples ou complexas - que consideraste impossíveis de alcançar. 

No dia 26 de Junho de 2021, tive uma dessas realizações. Terminei o Ultra Trail da Serra da Freita (UTSF) ao fim de 15h56 com um total de 59 Km percorridos, com +3.825m de desnível. "Onde tudo começou" - o trail mais antigo de Portugal e dizem as línguas - boas e más - que é um dos mais duros. 

Experiência recheada de lições e aprendizagens que não são mais do que um reflexo dos desafios de todos os dias. Por isso, partilho contigo algumas dessas aprendizagens na esperança de que te inspirem a correr atrás dos teus objetivos percebidos como impossíveis.

1. Os objetivos percepcionados como impossíveis são os ativadores da verdadeira mudança.
E se não estiver preparada? E se não conseguir? E se me lesionar? E se as noites brancas prejudicarem o meu desempenho? E se adoecer? E se a prova for cancelada? E se...? Dúvida. Incerteza. Preocupações dos 5 meses que antecederam a preparação para a prova. Medo. O primeiro sinal de que estamos no bom caminho. Porque se parecer fácil, vamos continuar a operar na nossa zona de conforto. A fazer o que sempre fizémos. Os objetivos impossíveis, ativam os nossos medos mais profundos, instalam a dúvida, privam-nos de sono e o melhor de tudo, obrigam-nos mesmo a fazer algo de diferente para conseguir alcançá-los. São por isso os verdadeiros catalisadores da mudança!

2. A magia da definição de objetivos, é esquecermo-nos deles logo de seguida para nos entregarmos ao prazer do processo.
O UTSF deu-me a motivação certa para criar uma rotina de treino. A percepção da dureza da prova e as experiências anteriores das consequências de uma má preparação, deram-me a disciplina necessária para cumprir com os meus planos de treino. 20 minutos de trabalho diário - core, reforço muscular e Yoga às 6h da manhã, que se tornaram os meus não negociáveis. Não só para a Freita mas para a vida. Os sentimentos de capacidade e competência, foram construídos durante todo o tempo de preparação. Com a incerteza quase até à última da realização ou não da prova, devido à pandemia. Mas com o gozo do percurso até lá chegar e a certeza do que cresci em disciplina, motivação, superação e persistência. A prova em sí, foi uma mera constatação deste facto! 

3. Nenhum objetivo desta magnitude se alcança sozinho.
É necessário toda uma comunidade para a conquista de uma montanha como a Freita. A tua tribo, é a melhor bagagem e a única verdadeiramente indispensável para se transportar durante todo o UTSF. Os amigos com quem treinas e que te incentivam ao longo dos meses que antecedem a prova; os amigos e família que te ligam antes e transmitem a força e segurança que precisas; os amigos incansáveis que te acompanham fisicamente durante todo o percurso; o teu companheiro que embarca em todas as loucuras contigo sem questionar; os outros atletas que se tornam confortavelmente familiares e com quem se cria uma cumplicidade só possível em situações de bravura e vulnerabilidade tão intensos como estes. E neste estado, é fácil entregarmo-nos à ajuda dos estranhos e partilharmos com eles um espaço seguro onde a entre-ajuda é a regra implícita e o motor para tantos momentos críticos da jornada. Uma excelente aprendizagem de dar e receber de forma incondicional!

4. Apenas 40% do esforço é físico. O resto, é cabeça!
21 mulheres inscritas no escalão F40. Terminamos 14. Número representativo do que foi acontecendo ao longo da prova para todos os outros escalões. Desistências por calor, cansaço, lesão e/ou exaustão. Diria que a desistência mais significativa, acontece na nossa cabeça, ainda antes de deitarmos a toalha ao chão. O que pensamos, como pensamos determina o quanto e como vamos aguentar. Tal como tudo na vida. Fiz a maior parte do percurso a acreditar que pisava solo sagrado. Esta crença, concedeu-me a humildade para respeitar e honrar o meio envolvente, recebendo tudo como uma dádiva. Houve toda uma vivência espiritual da experiência que me fez vivê-la em harmonia e sintonia. Compreendo agora que este foi o meu principal motor.  Respeitando e abraçando os compassos do dia, a cadência do tempo, do terreno, da temperatura. Nesta sintonia, encontrei a paz e deslumbrei-me vezes e vezes sem conta com tudo o que recebi. Vi a minha vida a passar em perspectiva - o passado, o presente e o futuro. Não porque me senti em perigo, mas sim a renascer. Vezes e vezes sem conta! 

5. A bravura roça vezes sem conta a estupidez.
Perto do Km 40 comecei a sentir uma dor bicuda e localizada perto de um dos calcanhares. Tirei o sapato e as meias várias vezes por achar que era uma pedra. Não encontrei nada. Ignorei e continuei. A dor foi aumentando. Comecei a última etapa da prova, com o rabo assado e com os dois pés em ferida por causa das bolhas - afinal era disso que se tratava. Só faltam 12 Km pensei. E continuei. Sem fazer nada para minimizar os danos. Fiz muito mais tempo do que poderia ter feito nesta última etapa, por ter que me proteger das dores intensas que sentia. Terminei com os joelhos e as virilhas a latejar pelo esforço que tive que fazer para não massacrar mais as feridas que entretanto continuavam a crescer. Estupidez no seu estado puro! Não existe qualquer bravura em decisões como esta! Aprendi que devemos atender de imediato e de raiz as dores pequenas e tímidas que vão surgindo. Não só criei problemas desnecessários, como me privei de desfrutar com o mesmo grau de intensidade o último troço desta prova fantástica! Não havia mesmo necessidade!

6. A surpresa de descobrir coisas novas em mim onde menos esperava
A minha maior revelação durante o UTSF: adoro subidas - difíceis, técnicas e com muita escalada. A Besta, as Goelas do Mundo, as Escadas do Martírio e até a Subida de Bradar aos Céus foram de longe os meus troços preferidos. Aqueles que levam tantos ao desespero e que de corrida nada têm. Aquelas partes em que progrides à velocidade de caracol porque não tens mais opções. Aquelas em que tens que medir todos os passos e apoios de mãos e pés para que uma falha não te custe a vida. Isto sim, foi a minha cena! E surpreendi-me. Porque assumi há muito que não gostava de subidas. E descobri que há uma magia e desafio incrível na subida, quando não é possível apenas andar ou correr. Com tantos anos deste tipo de aventuras, adoro o facto de ainda me conseguir surpreender! E isso só aconteceu porque estava completamente aberta à oportunidade. Na vida tal como no ultra trail, também me sinto estimulada quando o caminho não é o mais fácil. E principalmente quando tenho que me esforçar para o percorrer. 

7. O menos desejado trouxe as surpresas mais inesperadas
Tardei a ligar a lanterna. Porque acreditei que iria conseguir terminar de dia. A floresta engoliu-me com a sua escuridão e mesmo assim resisti até já não ver os pés, deslumbrada pelas centenas de pirilampos que com a sua luz ainda assim não me conseguiram iluminar o caminho. Quando finalmente ligo a lanterna, sinto-me noutra dimensão, numa espécie de floresta encantada pelo reflexo da minha luz nas fitas sinalizadoras, criando um efeito mágico de luzes de fada cintilantes e dançantes a orientar o caminho. Foi com este prazer inesperado, embriagada pelos refletores que me atrairam como uma flauta, que cheguei a Arouca sem dar conta. Deixo as fadas para trás na floresta. A trautear com os meus bastões pela rua principal, passo pelas esplanadas cheias de gente a terminar o seu jantar. Sinto os pingos do orvalho momentos antes de entrar no pavilhão e mergulho nos sorrisos dos meus amigos e nos braços do Duarte, concluindo assim uma das aventuras mais épicas de sempre!

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Comentários

  1. Segui a descrição da tua aventura , envolvi-me em sensações de prazer , de descoberta, de superação e de medo. Medo do risco e das consequências que a passagem dos limites da resistência podem causar. Mais uma vez saíste vencedora , minha guerreira😍😍😍. Parabéns

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    1. Muito obrigada pelas tuas palavras, com um enorme significado para mim 😘

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  2. Kátia, muitos parabéns, pela prova e pela belíssima descrição. Não pratico trail, mas sei mesmo assim o que é essa superação dos limites, esse desafio ... que há uns anos, não muitos, ganhei a mim próprio quando fiz 100 km em 19 horas e 40 minutos ... mas claro que não foi na Freita ☺️

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    Respostas
    1. Callixto, obrigada pelo feedback e pela partilha! Que experiência magnífica, deves ter excelentes memórias!

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