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15. MECANISMOS DE RESPOSTA PARA LIDAR COM CULTURAS TÓXICAS (parte II)

 


Há organizações que por diferentes razões sofrem um crescimento muito rápido e muitas vezes descontrolado. Esse crescimento é gerador de uma grande energia que pode ter dois lados: o positivo, é o envolvimento e entrega total dos colaboradores pelo foco na novidade e urgência, e a motivação pelo incentivo de resultados que acontecem rápida e frequentemente. O lado negativo, é o custo nas pessoas pelo enorme desgaste, podendo levar a muitas situações de esgotamento e grande rotatividade. A necessidade de recrutar pessoas para funções novas que estão sempre a ser criadas e a dificuldade de alinhamento de competências com as tarefas e funções que estão em constante mudança, são dois dos problemas mais frequentes.

Estes aspetos, a par dos descritos no meu post anterior sobre culturas tóxicas, podem levar alguns colaboradores a um estado constante de ansiedade em que o desempenho fica claramente comprometido.

O que é que provoca este estado de ansiedade?
A amígdala - o sentinela do cérebro - detecta uma situação de potencial ameaça - física, psicológica, emocional ou social - ativando a nossa resposta ao medo percepcionado, impedindo assim o cérebro de funcionar na zona optimal onde deveria estar a funcionar. A pressão sentida pela profissão, conflitos, trabalho em excesso e/ou desadequação das competências para a função entre outros, podem ser fatores ativadores.

Traduzo de seguida algumas dimensões do nosso cérebro de forma muito simples, para termos uma leitura orgânica sobre o que acontece de forma instintiva e inconsciente perante uma situação de ameaça.

Temos 3 cérebros que funcionam de forma interdependente e a informação, passa de forma sequencial por cada um deles, sendo processada antes de passar para o cérebro seguinte:
1. Cérebro reptiliano ou tronco cerebral - conhecido como cérebro instintivo, tem um único propósito: garantir a segurança e a sobrevivência. É responsável pela regulação das funções e sensações primárias como a fome, sede, sono, entre outras. É a função mais antiga do nosso cérebro e a que partilhamos com os répteis. 
2. Cérebro límbico ou cérebro emocional - responsável pela consciência emocional. Partilhamos este cérebro com os mamíferos.
3. Neocórtex ou cérebro racional - é o que nos diferencia de todas as outras espécies e é responsável pelas funções intelectuais superiores como a tomada de decisão, a linguagem, escrita, raciocínio, memória autobiográfica, pensamento entre outros.

Porque é que isto é importante? 
Perante a percepção de uma ameaça, os mecanismos do medo são ativados no cérebro reptiliano para garantir a nossa segurança. Quando isso acontece, entramos num estado de alerta sendo desativadas as outras funções do cérebro. Por isso é tão difícil pensar com clareza, tomar decisões, ser criativo ou racional quando entramos em estado de alerta. É como se deixássemos de ter acesso às outras partes do cérebro e as nossas reações maioritariamente instintivas, têm um único propósito: proteger-nos e assegurar a nossa sobrevivência. Esta ativação do cérebro liberta substâncias como a adrenalina, que contribuem para o acelerar do coração e aumento da respiração, fornecendo energia aos músculos para para que possam responder da melhor forma, através do ataque, fuga ou congelamento. 

Todos nós temos estas reações e conseguimos identificar várias situações ao longo da vida em que manifestamos cada uma delas. Por exemplo, quando alguém nos ameaça, quando lidamos com uma injustiça que consideramos inadmissível, se assistimos ou participamos num acidente, ou se nos obrigam a fazer alguma coisa que não queremos. Reagimos fortemente à forma como fomos condicionados enquanto crescemos. As nossas experiências e vivências reforçadas pelas crenças que construímos, determinam grande parte dos padrões de resposta que acabamos por desenvolver como reação a uma ameaça. Esses padrões podem depois manifestar-se no local de trabalho, se estivermos num estado constante de ansiedade.

Cada pessoa transporta a sua bagagem invisível. No contexto profissional as nossas reações à ameaça podem manifestar-se de forma diferente para cada pessoa ou momento, sendo que conseguimos identificar alguns padrões de resposta em nós e nos outros. Descrevo de seguida 5 reações, como cada uma se manifesta e principais implicações: lutar, fugir, congelar, bajular e desmaiar. 

1. LUTAR. Mais frequente em pessoas extremas e egocêntricas. São pessoas dominadoras que têm muita dificuldade em ouvir os outros. Interrompem frequentemente os colegas durante as reuniões, geralmente falam mais alto do que os outros, querem ir rapidamente ao centro da questão e chegam a conclusões de forma rápida e precipitada. Uma das crenças limitadoras destas pessoas, é que necessitam de controlar para se sentirem em segurança. Este é o padrão de resposta mais visível e fácil de detetar. Contudo, a reação de luta assemelha-se a zanga e é difícil diferenciar se o ataque acontece por medo ou por zanga. 

Se tem este padrão de reação quando se sente ameaçado, é importante reconhecer que estas reações são aversivas e assustadoras para as outras pessoas, acabando por magoar quem está à sua volta. A solução para a sua segurança não é dominar, mas sim criar espaço para ouvir, compreender e conectar. Aprender a dar espaço aos outros e treinar empatia e competências de conversação, são aspetos fundamentais que na realidade vão aumentar a sua percepção de auto-controlo e consequentemente segurança. 

2. FUGIR. A crença limitadora: estarei seguro se estiver a desempenhar tarefas e se for produtivo. É melhor não dizer nada e fugir, esperar até ter as respostas que preciso. Demonstram muitas vezes um comportamento obsessivo-compulsivo, têm checklists gigantes e têm uma carga de trabalho enorme, refugiando-se no trabalho e execução de tarefas. 

É importante para pessoas com este padrão, aprender a comunicar e expressar as suas necessidades e preocupações.

3. CONGELAR. Reação pouco frequente. Estas pessoas paralisam com o medo e perdem a capacidade de resposta. Em muitas situações bloqueiam, encontram muitos obstáculos e não conseguem tomar decisões, apesar de serem capazes de antecipar muitas variáveis e alternativas. Trabalham bem sozinhas, e têm mais dificuldade com outras pessoas quando os seus mecanismos de defesa são ativados. Poderão falhar com a entrega de trabalhos ou cumprimento de tarefas, mesmo quando existe compromisso.

Para quem reage desta forma à ameaça, é importante fazer várias pausas ativas para respirar, apanhar ar e sair da situação. Adoptar passos pequenos e seguros, pouco a pouco é muito importante para construir a confiança.

4. BAJULAR. Resposta perfeccionista. Estas pessoas dizem que sim a tudo e não sabem dizer não. A crença limitadora: estarei seguro se agradar. São pessoas simpáticas e agradáveis, fazem tudo pelos outros e geralmente são os primeiros a tomar a iniciativa quando é preciso fazer alguma coisa. São também as pessoas que têm esgotamentos e ficam doentes com mais frequência.

Se este é o seu padrão, compreenda que é fundamental aprender a dizer não. Não só não há mal nenhum nisso, como é crucial para criar limites para si e para os outros. A aprendizagem da comunicação assertiva é fundamental.

5. DESMAIAR. Resposta mais frequente em pessoas que sofrem de perturbação de stress pós-traumático. Felizmente é muito rara, uma vez que é o último recurso nos mecanismos de defesa do nosso organismo. Significa que tudo o resto falhou e não há como fugir à ameaça. Este "desligar" do organismo é auto-protetor uma vez que pára o sofrimento, quando este atinge níveis insuportáveis. Uma das crenças disfuncionais possíveis é que não há nada que possa fazer para ter controlo sobre o que acontece na minha vida.

Devido à potencial causa - perturbação de stress pós-traumático - é muito importante a procura de ajuda profissional para abraçar um processo terapêutico.

É importante considerarmos que são as pessoas que fazem as organizações. O grau de toxicidade das mesmas é influenciado por cada um de nós, pelas nossas atitudes, reações e escolhas. Há um processo individual de crescimento a par das dinâmicas colaborativas e coletivas que em conjunto potenciam o crescimento e evolução ou por outro lado estagnação das culturas organizacionais.

A consciência destas 5 facetas do medo no contexto de trabalho, pode ajudar-nos a compreender o nosso papel e contribuição tanto para o problema como para a solução.

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